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CLODOALDO DIAS DOS REIS

I. Sobre o autor

Clodoaldo Dias dos Reis, brasileiro, casado, professor de Língua Portuguesa e Literatura Brasileira, QPM do Estado do Paraná. Com participação em antologias literárias. Contatos com o autor pelo e-mail diasreis@hotmail.com


II. Suas Obras


Entre duas vidas

Quantas coisas para rever. Silêncios para quebrar, adormecidos em quatro longos anos de exílio e embebidos pelas luzes das frestas de uma porta circundada de cores. Não me era permitido gastar tempo, senão, demorando meus olhos nos olhos que se apagariam para reacenderem ao meu lado.

Encontrei-o num quarto apertado, ocupando uma cama estreita vestida de branco. Tinha o corpo imóvel: braços, mãos, dedos imóveis. Os lábios tremiam molemente como serenos por respingar.

- Venha – Sussurrei, entre a saudade e o medo. A mente vazia voltou-se para mim. A transparência de minha vida já não lhe era mistério. Firmava-me como se contemplasse o mar na sua imensidão e simplicidade.

- Siga-me papai – Repeti, estendendo-lhe a mão. O corpo robusto pareceu erguer-se sob uma energia imaterial. Da incapacidade do acontecer nasceu um gemido afônico.

Percebi, da porta, o rosto de Carlos tomá-lo com avidez. Aproximou-se e tocou-lhe a tez morena levemente umedecida pelo gelado suor da despedida. Um suspiro de desalente e silêncio.

Aproximei. Cobri-lhe a face. Eu a aqueci enquanto algumas palavras eram-lhe dirigidas num oferecimento de vida. Também esta fora a minha proposta, no entanto, num outro sentido de existir. – Carlos e eu éramos dois mundos distintos.

Lá fora, alguns papéis se agitaram misturando ao pó da rua. - Era o mesmo vento que me advertia das horas – Olhei com indiferença a porta que me unia a papai, depois debrucei o olhar em Carlos. Deste as palavras eram lágrimas; aquele permanecia mudo. Meu braço estendeu-se em seu socorro e a paz transpareceu em seu riso de amargo encanto. Sabíamos que era chegada a hora. Deu o primeiro passo e estremeceu o corpo despido de calor. – Eu o tinha. – E do mesmo ângulo, vimos Marcos se aproximar entoando o mesmo choro ruidoso de Carlos. Ambos apertaram-lhe a carne das mãos... e logo suas mãos. – Eu não mais o tinha.

Alongava-se a tarde. Como se contam as eras, assinalei cada segundo dos carinhos que presenciei. Arredei passos: admirei cada copada de árvore... um por um os telhados... o sorveteiro da calçada. Uma ou duas dezenas de vezes estendi-lhe (ou quis estender-lhe) as mãos. Diminuíam as minhas forças a cada irmão que aproximava.

- Eu preciso! É necessário que seja neste instante – gritei para meu eu e intervim entre eles. Chamei papai em todos os tons. Dei-lhe mil motivos... dez mil motivos... cem mil... Seu corpo estremeceu, calaram-se os suspiros, apagaram-se os olhos e o pulso... e o silêncio derramou-se no desespero de um coro que me proíbo descrever. Fitei o Pai com censura e Ele entendeu a autenticidade daquele motivo único: Parti tão só quanto cheguei!